Alexandre de Barros Lopes

Publicado na data "" em "Região de Cister Júnior".

As vítimas secundárias da guerra na Ucrânia

Nas últimas semanas e nos últimos meses, a guerra na Ucrânia tem ocupado a agenda mediática de Portugal e do mundo. Fomos ouvir quem sente e vive esta guerra para compreender melhor este conflito no leste da Europa.

A guerra na fronteira russo-ucraniana, que já perdura desde o dia 20 de fevereiro, tem sido acompanhada incessantemente pelos jornalistas. Recebemos imagens de novas atrocidades todos os dias, não há um momento em que a situação não esteja a ser tratada em pelo menos um canal televisivo, contudo, pouco ouvimos das preocupações e ansiedades dos mais afetados por esta invasão. Foi por isso que contactámos alguns ucranianos originários de Donetsk a Lviv, alguns que ainda permanecem no seu país natal e outros que já tinham emigrado há alguns anos, para saber um pouco mais sobre o que pensam disto tudo.

O contexto da guerra

O aumento das tensões entre as duas nações começou por volta de março de 2021 quando a Rússia começou uma grande acumulação de tropas e armamento perto da sua fronteira com a Ucrânia que apenas pausou por volta de abril, recomeçando só em outubro. Isto foi o suficiente para convencer muitos que um conflito armado era inevitável. Uma destas pessoas foi Denis, de Odessa, onde permanece: “Para mim era óbvio, desde dezembro de 2021 que a situação era inevitável – notícias constantes de forças a acumularem nas fronteiras com a Ucrânia, e depois até na Bielorússia, tornaram claro que uma ofensiva militar era uma possibilidade, fazer as suas tropas atravessar tanto território e fazê-los ficar no mesmo sítio durante tanto tempo é simplesmente demasiado caro e consome demasiado tempo”. Apesar disso, muitos nem sequer consideravam a possibilidade, como Vitalii, de Kropyvnitskii. “Eu não acreditava. Até agora soa ridículo, uma guerra a sério na Europa no século XXI”, afirma. Muitos outros decidiram recordar-nos que a guerra tinha começado em 2014.

Mas para alguns nem as notícias eram convincentes o suficiente. Anna, de Kyiv, partilha: “Eu estava incrédula. Estava no Canadá, por isso era de tarde para mim enquanto em Kyiv eram quatro da manhã. Estava a trabalhar até mais tarde com uma stream do youtube de notícias no fundo. Subitamente houve uma mensagem urgente do Kremlin. Era aquele asno a anunciar a sua ‘operação militar especial’. Estava muito confusa, depois vi pessoas a escrever mensagens no chat a dizer coisas como ‘Kyiv está a ser bombardeada’, ‘Kharkiv está a ser bombardeada’, etc. Nos primeiros dez minutos achei que era apenas alguns trolls pagos a publicar coisas para assustar as pessoas. Liguei aos meus pais, é claro, mas não atenderam. Até me confortou porque eles dormem com os seus telemóveis desligados (o meu pai tem epilepsia e barulhos súbitos podem causar episódios epilépticos), por isso pensei que como os seus telemóveis estavam desligados deviam estar a dormir (sei que não faz muito sentido mas eu estava chocada e confusa). Mas dez minutos depois a minha mãe ligou-me a dizer que tinha acordado por causa de alguns barulhos muito altos que soavam como explosões. Foi assim que soube que a guerra tinha começado”.

As consequências do conflito

Como seria de esperar, se aceitar a realidade da invasão foi difícil para muitos, compreender como é possível que alguém cometa crimes como os que acusaram o exército russo de ter cometido tem sido impossível. Ihor, natural de Mykolaiv, tentou explicar-nos o que ele sentiu com isto tudo: “Horror, medo, desespero, preocupação pelos que amo. Mais tarde transformou-se em ódio puro. Depois das notícias
sobre Bucha, Irpin, Mariupol, estes sentimentos transformaram-se em sede por vingança. Dizer que estamos motivados por vingança é pouco. Estes crimes estão para além da compreensão. Como é que eles podem violar bebés? Como podem matar pessoas que não eram ameaças? Os horrores da segunda guerra mundial ficam aquém do que estão a fazer”.

Infelizmente, os problemas que estes homens e mulheres tiveram de enfrentar ultrapassam a dificuldade de compreender e aceitar a realidade do seu país. Este conflito trouxe consequências ao seu dia a dia, Volodymyr teve de migrar para a Hungria, Alexander enviou os seus filhos para fora do país, ficando para lutar, e Andrew diz ter futuro incerto: “antes tinha planos de dois, três anos, agora acordo e só penso no que vou fazer hoje”.

“O que pensa da resposta da União Europeia e da NATO?”, perguntamos. Relativamente a este assunto, os ucranianos não demonstraram grandes divisões. Penso que Denis (o mesmo que mencionamos no segundo parágrafo) represente este sentimento partilhado bem quando diz: “A resposta da União Europeia e da NATO tem sido muito mais rápida do que eu pensei que seria, mas muito mais lenta que necessário. As sanções económicas mais agressivas, até agora, foram todas impostas na primeira semana da guerra e elogio-os por isso. Mas em geral é óbvio que a maior parte das pessoas que têm de tomar as decisões sobre a possibilidade de mais sanções e de envio de mais/melhores armas não estão com muita pressa em ajudar a Ucrânia nesses aspetos, por razões diversas. Isto quer dizer que a guerra va-se arrastar por muito mais tempo que necessário”.